Mar Vermelho: dois mergulhos na Jordânia
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Além de ser a terra de Petra – o lugar mais incrível que eu acho que já visitei – a Jordânia tem um pequeno litoral com cerca de 25 quilômetros. Mas estamos falando do Mar Vermelho, não de qualquer baldinho de água salgada. E ao enfiar a cara alguns metros abaixo da superfície ali fazem você ter certeza de que ter uma carteirinha de mergulho é a melhor coisa do mundo. Mais do que isso, a convicção de que cada minuto de aula e de exercícios para conquistar seu certificado valeram a pena.
Claro, o Mar Vermelho não é a principal atração do país e, por conta do litoral muito mais extenso e cheio de possibilidades, sinceramente eu recomendo muito mais mergulhar no Egito do que na Jordânia. Mas uma vez ali, faça como Jacques Cousteau e desbrave os arrecifes e naufrágios que deram alguma fama aos pontos de mergulho do país.
E evidentemente que você não precisa se enfiar debaixo da água pra aproveitar o litoral. As praias de Aqaba e dos arredores não são lá magníficas, mas o mar tem uma cor muito convidativa. A água fria contrasta com o calor baforento do Deserto do Sinai e até que nem congela tanto assim. Claro, tem toda a coisa diferentona de estar na praia entre mulheres de véu e até de burca. Pergunte sempre se ali naquela faixa de areia é tolerável usar biquíni ou maiô, mas em geral o país é super tourist-friendly.
Por que vale a pena ser mergulhador?
Acredite: uma das melhores coisas que você pode fazer por você é perder quatro dias. Achou estranha a frase anterior? Pois é, talvez o mais correto fosse: a melhor coisa que você pode fazer na sua Vida Viajante é investir quatro dias num curso de mergulho autônomo. Isso pode transformar sua vivência em qualquer lugar com um pouco de água.
Afinal, uma carteirinha de mergulho da PADI ou da PDIC é vitalícia. Desde que obtive a minha, aos 12 anos, aquele pedaço de plástico com um número estampado e uma foto minha adolescente bastou para descobrir um universo paralelo em vários lugares do mundo. Sem uma dessas eu perderia a Aqaba que vivi e não contaria metade de tudo o que você vai ler nesse post.
Como é mergulhar na Jordânia?
Aqaba, a única cidade litorânea da Jordânia, é o polo de mergulho do país. Ali estão as principais operadoras e, ao longo da costa da cidade, os pontos de mergulho. A maior parte dos mergulhos no Mar Vermelho são com saída da praia, sem a necessidade de pegar barco. E descobri na lata o lado bom e o lado ruim disso.
O bom é que é prático. Da operadora no centro de Aqaba, a van apertadinha levou vinte minutos até o Berenice Beach Club, na praia homônima. Ali, um monte de tendas com dezenas de mergulhadores se espalhava pela areia grossa. Instrutores equipando seus alunos e fazendo suas orientações, explicando detalhes do mergulho. Uma pequena indústria do esporte.
Só um parênteses. Eu tinha algumas horas pra resolver tudo e nem fui pesquisar as melhores operadoras. Peguei a Aqaba Dive Academy, que me ofereceu serviço atencioso e equipamento bom, mas não excelente. Mas pesquisando achei umas com um jeitão mais confiável com a Arab Divers e a Dive Aqaba.
Logo ao lado, vários grupos de banhistas, com mulheres de véu e até burca. Afinal, estamos em um país árabe de maioria muçulmana e no qual mulheres nadam vestidas. Só não imaginei que, indiretamente, esses grupos de não mergulhadores atrapalhariam tanto a minha experiência…
Vamos ao lado ruim. O primeiro mergulho foi no chamado Rainbow Reef. Comecemos pela temperatura da água, de bater dentes e se perguntar se aquele era o Mar Vermelho ou a Antártida. Frio a ponto de eu achar que a roupa de neoprene de 3.2mm não daria conta. Mas essa não foi a parte chata: tinha lixo. Muito lixo! Garrafas, latas, sacos plásticos e restos de embalagem numa quantidade que nunca vi debaixo da água, só boiando no Rio Tietê.
Eu já tive o privilégio de mergulhar no mesmo Mar Vermelho, mas do outro lado, no Egito. Então eu sabia o potencial de beleza dos corais, talvez os mais belos que já vi. Mas à medida em que ia descendo no tal Rainbow Reef eu só via uns poucos recifes artificiais crescendo sobre uma vasta tela de arame. Como se fosse um reflorestamento subaquático. Nada nem de reef e muito menos de rainbow. Decepção não define.
Passei frio, quase não vi nada vivo, e voltei frustrado pra superfície. Além disso, durante a parada descompressiva, fui enchendo sacolas de lixo e obriguei o instrutor Ossam a fazer o mesmo.
Já estava quase desistindo do passeio, mas como havia pago US$ 90 por dois mergulhos eu ainda teria que retornar pra água…
O segundo mergulho na Jordânia seria uma surpresa?
Como Ossam não falava um “A” de inglês, nunca a linguagem de sinais subaquáticos me foi tão útil. Eu só sabia que estávamos agora saindo da mesma praia do Berenice Beach Club (o nome é ótemo, não é?!) mas nadaríamos até um naufrágio. Só que depois daquele mar de lixo eu só poderia esperar mergulhar num monte de ferro velho retorcido.
O Cedar Pride foi um navio cargueiro libanês de 74 metros de extensão que após pegar fogo e ser abandonado em águas jordanenses acabou sendo escolhido pelo Rei Hussein para virar playground subaquático e o principal ponto de mergulho da Jordânia. Em 16 de novembro de 1985 foi afundado pertinho da costa e adernou para boreste (direita) a 25 metros de profundidade e a cerca de 130 metros da praia. Normalmente é preciso uma certificação avançada para entrar em naufrágios, mas lá é permitido a mergulhadores básicos.
À medida em que descíamos eu sentia meu ouvido ir apertando. Após compensar os tímpanos e me habituar à água fria, os recifes iam se revelando outra coisa. Graças a deus não era um Rainbow Reef 2! Corais verdes e laranjas iam me recordando que eu estava no Mar Vermelho e não num lixão na Baía de Guanabara.
Não vou esquecer nunca o sorriso que abri ao descobrir o bichão lá, enorme, imponente e todo forrado de corais crescendo em seu casco. Um enorme recife artificial, a melhor coisa que os homens podem fazer com seus barcos velhos, deixar a natureza tomar conta. E ali ela o fez com maestria.
Aos poucos, fui contornando a proa do navio, seguindo Ossam. Um cardume de pequenos peixinhos prateados formou uma nuvem diante de um dos pequenos mastros do cargueiro. Sem nenhuma timidez me meti a nadar no meio deles e fui bem recebido no bando. Pode parecer uma grande besteira, mas a euforia de vivenciar algo tão pleno me acalmava.
Contornamos o Cedar Pride, mas Ossam parecia ter pressa demais. Eu só fazia contemplar tudo, bobo. De repente, ele entrou no navio por uma fenda provocada pela explosão no casco. Segui ele por um corredor enquanto ele me fotografava com uma GoPro chinesa que apesar da péssima qualidade das imagens, salvou o registro do mergulho.
Do nada caímos num porão e não sei bem por onde a luz entrava, mas eu enxergava bem. Ele ficou com os pés apoiados no fundo sinalizou para eu fazer o mesmo. Me estendeu um braço e apontou o outro pra cima. Fiz a mesma posição, simetricamente. Não entendi nada, afinal ele não explicou nada na areia, pois não falava inglês. Nadamos pra cima e, de repente, minha mão saiu da água!
Entre o espanto e a surpresa me vi envolto numa bolha de ar. Ali, a 25 metro de profundidade eu tirei o regulador da boca e respirei oxigênio. Eu ria de gargalhar, maravilhado com a experiência absurda e inesperada. Nunca imaginei ser possível viver isso. Lembrei do cozinheiro nigeriano que passou dias debaixo da água dentro da cozinha do barco que afundou até ser resgatado. Fiquei em êxtase!
Mal poderia imaginar que, depois daquele horror de Rainbow Reef, eu viveria um dos 5 melhores mergulhos da minha vida!
No final, ainda vi um peixe-leão e alguns peixes-palhaço. Mas jamais me esquecerei do grande monstro de ferro a repousar docemente com sua bolha de oxigênio no fundo do Mar Vermelho. Um espetáculo!
Alcilene
Tudo muito belo