Viajar é a melhor coisa do mundo, mas e a saudade de casa?
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Nos últimos anos, sem dúvidas, a pergunta que mais ouço é “qual é a próxima viagem?”. Poucos me perguntam como foi a última e quase ninguém me pergunta como está a minha casa. Se eu sinto saudades de voltar. E olha, você pode até não ter perguntado, mas eu vou responder: sinto muita saudade e adoro voltar.
Essa semana concluí o que batizei como “ciclo básico de um lar”. Não, não casei e nem tive filho, apenas comprei um fogão, um sofá e uma estante. Com esses três itens, o apartamento – que antes tinha ares de acampamento – ganhou sentimento de lar. Ah, não posso esquecer da Vera, minha primeira geladeira minha, já toda paramentada com imãs, memórias, filé de frango no congelador e molhos de pimenta na porta.
Por razões e caminhos malucos da vida, desde novembro do ano passado eu morei em três casas diferentes. Todas acolhedoras, sendo duas com gente querida, muito agito e trabalho. E uma numa maravilhosa experiência solitária e introspectiva, graças à gentileza de um casal de amigos que me concedeu usufruto de sua cabana na mata atlântica por dois meses. Em todas eu fui muito feliz. Mas nenhuma eu chamei de lar.
Ontem à noite, ao arrumar o sofá cama, no apartamento limpinho pós-faxina, percebi o quanto aquele lugar já é meu. O quanto cada parede daqueles poucos metros quadrados já me deram a benção. O quanto minhas malas, que ainda não têm armários próprios e zanzam pela casa, já se sentem acolhidas. Até para elas o sentimento de sair da esteira do aeroporto e chegar ali é afetivo.
“A man travels the world over in search of what he needs and returns home to find it”, escreveu o romancista irlandês George Moore. Essa frase foi escrita com canetão no espelho da minha casa por minha mãe e ali ficou por anos nos inspirando a viajar. Eu não comecei a viajar ontem e nem a voltar pra casa anteontem. Esse ciclo todo se retroalimenta. E Moore tinha toda razão. Hoje, mais do que nunca, eu entendo ele.
Há um tempo desfruto da sorte (e alguma competência, vai?) de ser repórter de viagens, de ficar nos melhores hotéis do mundo a convite dos hotéis e órgãos de turismo, em camas nas quais eu teria de trabalhar a vida toda pra comprar, e em lençóis que me custariam um rim. Isso tudo é lindo, isso tudo é um privilégio absurdo, ainda mais num país cujo lema na bandeira deveria ser Desordem e Miséria.
As conversas com gentes de diferentes culturas, os aprendizados olhos nos olhos, sentir o lugar e não apenas ver no Discovery Channel. Um investimento lindo, mas perigoso. Tudo o que viajar me traz só faz sentido se processado, como se a comida só ficasse saborosa e nutritiva após a sesta e a digestão. Esse tempo de decantar, de a refeição baixar, é essencial. E com as viagens é o mesmo processo, como se a volta ao lar fosse essa decantação das experiências, dos sentimentos, dos encontros, dos sabores.
Entre março e julho desse ano tive a honra e a sorte de viajar muito, praticamente apenas a trabalho e a convite de órgãos de turismo. Califórnia, Israel, Jordânia, Nicarágua e Chile, além de Maceió e Recife, duas idas a Paraty e uma a Minas Gerais e ao Parque Nacional do Itatiaia. Esqui, mergulho, trapézio, bike, caminhadas, pescaria, surfe. Deserto, neve, praia, corais, cidades históricas, cachaças, amigos. Ufa.
Eu precisava de um respiro, e ele veio na forma de uma prateleira para montar, um sofá-cama de 80 quilos para carregar, um fogão para fazer quibe de bandeja. Claro, eu sigo amando viagens e respirando vontade de descobrir um montão de lugares. Mas a certeza de um canto meu, em que cada coisinha tem uma história, onde todos os meus livros estão reunidos ao alcance de poucos passos, é para mim hoje algo tão ou mais importante do que acumular milhagem nos programas de fidelidade. Ah, isso porque eu nem falei do cheiro do amaciante no travesseiro…
*Foto de capa: Banni Fuentes.
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