Tatuagens de viagem: uma paixão lembrada na pele
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Viajar é algo que muitas vezes domina a cabeça de quem gosta. Escapar da rotina, saciar a curiosidade pelo mundo, descobrir o quanto somos pequenos. Os motivos são tantos. Mas muita gente tem na ideia de viajar algo tão forte, um desejo tão onipresente que resolve imprimir na pele um declaração de amor pelo ato de partir. Não é de hoje que muita gente tatua desenhos e frases que as inspiram a sempre buscar um novo destino. Para além da mesa do trabalho e da previsibilidade do cotidiano. As tatuagens de viagem parecem feitas para lembrar que a vida “é mais do que esse dia-a-dia”.
Essa coisa de pele
Cada vez mais vejo gente que estampa motivos estradeiros pela pele. Rosas do vento, mapas, aviões, carimbos de passaporte, coordenadas geográficas de lugares inesquecíveis. Já vi Torre Eiffel, já vi Cristo Redentor e até as Torres Gêmeas. Tem o “wanderlust”, expressão da moda, com origem alemã (“wandern”, caminhar + “lust”, desejo) e o sentido amplo de uma sensação que toma o corpo e a mente num desejo incontrolável de partir. Como lembrança vale de tudo um pouco.
Portanto, o motivo pode ser lembrança de que viajar é preciso e necessário. Ou então um souvenir de algum canto. Aí entra o poderoso story telling, também conhecido como “causo” daquela tatuagem. O que a levou a parar no corpo da pessoa, por que fazer naquela viagem, naquele luga
A jornalista Tati Sisti, editora chefe do site de viagens Road Trio, idealizou fazer o mapa da Pangeia, com todos os continentes grudados. “Algumas pessoas diziam que eu não criava raiz em nenhum lugar e isso me incomodava porque, na minha cabeça, as raízes não precisam ser físicas. As “distâncias” físicas podem ser grandes, mas a “distância sentimental” continua pequena pra mim”, explica. No entanto, em 2013, quando a coragem veio, houve um ajuste conceitual. “Como não queria algo grande, a Pangeia ia ficar um pouco confusa, então decidir fazer o mapa atual mesmo”. E leva o mundo nos braços há quase quatro anos. Depois disso, um pequeno avião veio acompanhá-la no pulso para lembrar de que “aeroporto é o lugar mais feliz do mundo”.
A estudante de geografia Mônica Nobrega fez a rosa dos ventos abaixo antes de realizar um de seus maiores sonhos, conhecer a floresta Amazônica, num cruzeiro de Manaus até a cidade de Letícia, na Colômbia.
É engraçado, porque a tatuagem acaba sendo não apenas o trabalho de um artista sobre o desejo de alguém, mas um grito não verbal para o mundo – ou só para os mais chegados, dependendo da parte do corpo onde surgir. O desenho, a frase, o risco, não importa o que a agulha produziu, trata-se de algo feito por uma motivação.
Viajar para se tatuar
Tatuagem é querer expressar algo. E tem tudo a ver com viajar à medida em que os lugares contam histórias e as tatuagens também.
Aliás, estúdios célebres como o famoso Miami Ink, que virou serie de TV a cabo, e suas filiais estão cansados de receber gente que vem de longe para ter na pele o trabalho de um determinado tatuador (como aconteceu nessa despedida de solteira em Miami). Por outro lado, cansei de ver mundo afora pequenos estúdios repletos de fotos de palavras locais, como aloha, hakuna matata, namastê (expressões locais já explicadas anteriormente nesse post).
Independentemente de estar viajando ou não, geralmente tatuagens marcam ciclos. Mas, por muitas vezes nos tirar da rotina, viagens ajudam a demarcar melhor esses ciclos. Claro, entra aqui a questão da dor do processo. Há algo de icônico e simbólico em passar por aquele ritual de perfuração da pele. Se pensarmos racionalmente é uma grande loucura mutilar-se para comunicar algo, não é mesmo?
No berço da tatuagem – será que eu faço uma?
Só que viajando aprendemos que há dezenas de séculos os humanos passaram a desenhar na pele, fosse para se camuflar, para se preparar para um combate ou para externar aspectos espirituais. Pois foi esse último motivo que levou os povos da Polinésia, mais precisamente os ilhas das Ilhas Marquesas, a desenvolverem a técnica que hoje conhecemos por tatuagem.
Hoje parte da Polinésia Francesa, a ilha é berço da tradição de encravar nos poros significados poderosos, com simbologias e referências surgidas há mais de 1.300 anos. Nada numa tatuagem polinésia é banal e até hoje é possível fazer uma com os traços milenares feitos à base de agulhas de bambu batido com um martelinho de pedra. Desnecessário dizer que a dor é colossal. Ah, o nome tattoo veio do som do martelo batendo na madeira: “tat-tat-tat”.
Quando visitei a Polinésia Francesa, entre agosto e outubro do ano passado, percebi o quanto a tatuagem é difundida, não apenas entre os jovens, mas entre adultos e até idosos e idosas. Por lá, seja na capital Papeete (eles falam “Papetê”) ou nas ilhas célebres como Tahiti, Moorea e Bora-Bora, muita gente estampa na pele aspectos da alma. Há algo de sagrado não apenas no sentido dos desenhos, mas no próprio ato de se tatuar. E nem tente pedir para tirar fotos das tatuagens, a maioria detesta que sejam fotografadas – é uma exposição externa de uma dimensão espiritual de cada um.
Como cheguei lá sem nenhuma no corpo, havia em mim um misto de curiosidade, com receio de me arrepender e de não encontrar sentido. Nunca foi uma decisão pré-concebida sair de lá rabiscado. Aos poucos fui conversando e aprendendo mais sobre o sentidos dos desenhos na pele e percebi que a ideia já não me assustava. Por amigos em comum conheci a Elisa Marengo, de apenas 23 anos, do Tikahiri Tattoo, em Papeete, a única tatuadora mulher da Polinésia. Apesar de muito nova e com apenas dois anos de experiência, o santo bateu.
Conversamos durante algumas semanas. Expliquei a ela o que eu queria transmitir com esse desenho e ela foi a dois livros imensos, espécie de dicionários pictóricos dos símbolos tribais polinésios com mais de 1.300 anos e propôs uma fileira de desenhos que formassem um triângulo no meu antebraço esquerdo. A tatuagem foi feita nas minhas últimas horas na ilha do Tahiti, antes de embarcar de volta. E isso para não tomar sol na região e correr o risco de estragar.
Pedi a ela que registrasse minha família (a parte maior), e ganhei de quebra um manto com uma proteção sobre todos os que cercam a mim e aos meus pais. Também o símbolo da bem-aventurança, uma espécie de carranca que vi em muitos barcos por lá, algo que traduz a vontade de viajar e o desejo pelo desconhecido. A pequena figura que parece uma menorá judaica carrega a ideia de legado, do que deixaremos para as gerações vindouras, uma reflexão permanente sobre nosso papel aqui. E por fim, três ondas do mar, para simbolizar de vez minha relação com os oceanos após um 2016 no qual não só vivi 45 dias embarcado em veleiros, no Atlântico e no Pacífico Sul, mas no qual nadei com baleias-jubarte e realizei um grande sonho da vida. Por fim, carrego esta tatuagem até o fim para não esquecer do lugar mais lindo em que já pisei e do conjunto de bons astrais mais intenso que já senti. Se tatuagem é plenitude? Pode ser uma tradução, sim.
Onde se tatuar
Além de Miami, já mencionada pelo famosíssimo Miami Ink, outros tantos lugares acabam inspirando viajantes a marca a pele. Em Los Angeles isso é bastante comum, pelo menos motivo da cidade da Flórida. É lá onde vive a tatuadora Kat Von D e onde fica seu estúdio High Voltage Tattoo, que aparecia no reality LA Ink.
Fugindo um pouco da TV, Amsterdam é outro lugar onde é bastante comum ver turistas se tatuando. Seja pela grande quantidade de jovens viajando por lá ou pelo clima de festa, a cidade está repleta de estúdios e não é difícil conseguir um horário.
Outro destino bastante usual para aqueles que querem marcar o corpo é Budapeste. Assim como Amsterdam, a cidade húngara tem um clima festeiro e turistas jovens, mas, além de tudo isso, costuma ter preços muito baixos em comparação com o que se paga no Brasil (em lugares higiênicos e bastante seguros).
Aqui no Brasil, muitos viajantes são rabiscados em São Paulo. A cidade é lar de vários artistas renomados, além de ter uma grande quantidade de estúdios. Muita gente aproveita a voltinha pela Rua Augusta ou pela Galeria de Rock para gravar uma lembrança na pele. Além disso, é razoavelmente comum que existam tatuadores trabalhando dentro de festas.
Tatuadores que viajam
Mais do que a cidade em si, a viagem pode ser a única forma de fazer uma tatuagem com aquele artista que você ama e acompanhava há tempos no Instagram, como já comentamos no caso de São Paulo, por exemplo. Mas e quando a lógica se inverte?
Ultimamente é bastante comum que tatuadores que comecem a ganhar notoriedade nas redes sociais aproveitem a divulgação do seu nome para fazer tours. Alguns ficam uma longa temporada em alguma cidade, outros permanecem só um pouco em cada lugar, tatuando como convidados em estúdios locais. Nesses casos, não é difícil perceber como o trabalho da pessoa também acaba se influenciando pelo contexto e pelas novas vivências que ela está tendo ali.
Para eles, além de desenvolver e divulgar a própria arte, as turnês são ainda uma ótima forma de viajar gastando pouco até quem sabe tendo lucro. Afinal, tatuadores também são viajantes.
Inspirações e dicas
Se você quer fazer tatuagens de viagem mas está sem ideia de qual desenho escolher, a dica é pensar qual sentimento você quer eternizar. Você pode adaptar alguma das já tradicionais, como o wanderlust, mapas, rosa dos ventos ou aviõezinhos para que sejam só suas. Nesse processo, uma coisa bacana é contar com a criatividade do tatuador.
Outras opções são coordenadas geográficas, monumentos que representam o lugar a ser homenageado, reproduzir obras de arte de algum museu que você tenha amado ou fazer o skyline de uma cidade – ou quem sabe juntar várias referências em um skyline “mundial”.
Além do desenho, é importante que você escolha bem quem vai te tatuar. Um bom artista imprime um pouco do seu estilo no desenho, e com isso você tem menos chance de acabar com uma tatuagem clichê. Pesquisando nas redes sociais você pode encontrar um profissional local que tenha um estilo que te agrade quem sabe se deparar com o desenho que você sempre quis mas não sabia.
Mesmo se você não tiver grandes exigências e quiser tatuar algo simples, certifique-se de que a pessoa é uma boa profissional para não se arrepender de um trabalho mal feito depois.
E claro, nunca esqueça de verificar muito bem as condições de higiene do lugar e conferir se os materiais são descartáveis. Depois de feito, não use a viagem como desculpa para não cuidar da sua tatuagem, tudo o que você menos precisa é um problema dermatológico para estragar seu passeio, certo?
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